No último dia 9 de novembro, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o texto do projeto de lei que enuncia que dirigir sob efeito de qualquer concentração de bebida é crime. Como já tínhamos uma política de tolerância zero na legislação de trânsito, esta nova modificação inaugura a “tolerância -1” no que diz respeito a direção de veículos e bebida.
É típico de regimes totalitários criminalizar condutas que não tenham em si um componente de dano a direitos alheios. No caso da nossa legislação penal de trânsito, é criminoso qualquer pessoa que permaneça atrás do volante de um carro e que tenha bebido antes disso. É certo que a diminuição das vítimas de acidentes de trânsito é um objetivo dos mais elevados, só não consigo entender como a criminalização justamente daqueles que não provocam acidentes pode ajudar nisso.
Veja só, não é somente dirigir sob o efeito da bebida que é crime, mas fazê-lo com uma concentração qualquer de álcool no sangue, mesmo que você esteja ainda de posse de suas faculdades. Isso deve ser suficiente para colocar atrás das grades, salvo o pagamento de fiança, parte significativa da população brasileira.
Se a legislação anterior já previa punição para as condutas indesejadas no trânsito: provocar acidentes, lesões corporais, matar ou causar perigo, não existe outra conclusão lógica que não a de ter vindo a modificação para criminalizar a parcela das pessoas que conseguem beber e não causar acidentes ou por outras pessoas ou bens em risco. O que dizer então desta nova criminalização?
A idéia de que o direito penal seria a última ratio do sistema jurídico aos poucos dá lugar a um conjunto de regras que põe todos os indivíduos na ilegalidade e, por conseqüência, fortalece o poder do estado sobre homens, permitindo assim que sejam punidos sem ser necessário se perguntar quem foi ofendido.
O curioso, e revelador da teratologia de toda a discussão da lei seca, é que nos debates ocorridos na comissão, a senadora Marta Suplicy (PT-SP), cuja tolerância é conhecida de todos, ficou preocupada porque seria plausível que o projeto viesse para punir o motorista que consumisse um bombom com licor. A senadora foi tranqüilizada pelo relator, que disse que o exame não detectaria (?) nenhum álcool no sangue por causa de um bombom.
Senadora, se tiver dúvida, não coma.